domingo, 10 de abril de 2016

HOMEM VELHO E MULHER NOVA




Este conto faz parte do 2º volume dos "Contos de Amor e Drama", já editado. Começa assim (o final é imprevisto):

O senhor morgado de Monrelvado sentiu, certo dia, grande paixão por uma moça de lavoura, de família humilde. Desde essa altura, e a acreditar nas vozes do povo, "não comeram os seus olhos outras sopas".
D. Ramiro era descendente de uma família originária de Espanha, que teve o seu solar nas montanhas de Santander e que passou a Portugal em 1559 pelo casamento de um dos seus ramos com Inês Bordoejo de Pina, senhora de honras e padroados. Deste casamento nasceu o seu mais ilustre representante, um tal Martim Eanes Bordoejo de Pina e Zabro, a quem o rei coutou uma valente herdade no Norte do País, embora fosse vergonhosa e pouco digna a atitude daquele nobre na crise de 1580 e durante o domínio espanhol.
D. Ramiro de Pina e Zabro, o nosso morgado, era, por assim dizer, o último representante da estirpe, decadente em privilégios nobres e em título, ninharias que nada valiam para o seu sustento. Tinha, em contrapartida, bastantes bens de raiz em propriedades rústicas, que davam uma renda valiosa e que constituíam fonte de receita na venda em retalhos a emigrantes e novos ricos.
No velho solar também ostentava o seu brasão, impresso igualmente no armorial com a cor de prata no escudo, um leão rampante de ouro e um monte escarpado de sua cor; como timbre, o mesmo monte vulcânico saindo-lhe da boca um ramo de pinheiro verde. Daí o povo designar o morgadio como do Monrelvado com o significado de monte relvado.
A verdade é que D. Ramiro já tinha a sua conta de anos, perdidos naquelas brenhas da serra, sem um amigo, sem outro alguém que tivesse interesse pela sua sorte; pior, sem herdeiro que o continuasse e perpetuasse a estirpe.
Como quer que fosse, não se podia subtrair a nova paixão, mesmo que esta se encontrasse — como se encontrava — no círculo plebeu de um seu rendeiro.
— Mulher bonita nunca é pobre — filosofava satisfeito o apaixonado.
Como era homem reservado, o morgado chamou o seu caseiro Joaquim para o encarregar da incumbência nupcial. Recomendou a este moderação na tarefa, bom trato de língua, ausência de espalhafatos e nenhum alarde. Vestiu o homem com fato de corte inglês, engravatou-lhe os colarinhos da camisa e despachou-o para a missão.
— Tem bom gosto, o velhadas! — apreciou depois o caseiro, no café, com um grupo de amigos.
— Aquilo é olho de cigano. Para ser sincero, não dou fé, ao redor, de perna ou anca que se compare à da Beatriz.
— E aquela cara, oh Joaquim!
— E aquela cara! — concordou apreciativamente um dos amigos.
— Para mim, o melhor dela ainda são os peitos — dizia outro, oscilando as mãos, em concha, para baixo e para cima.
— São tal e qual os daquela loura de cabelo curtinho que era casada com o Stallone.
— Mal empregadinha para este enxalmo. 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.