sábado, 9 de abril de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (9) - BRUXAS



IBA. Mais uma entrada que não se justificaria neste tratado, porquanto “ainda” não foi proposto pelo centro de estudos fiscais um imposto que tribute as manifestações e práticas a título oneroso por parte das bruxas, feiticeiras, quiromantes e fauna vária. Até porque a sigla, que causa certa homofonia com outro avatar pronunciado à moda do Porto, como é o IVA, que já tributa – e bem – as transacções em todas as suas fases, desde a nascente até à foz, causa algumas sensações de comichão económica.
IBA seria suposto tributar rendimentos obtidos nas práticas, significando imposto sobre bruxarias aplicadas.
IDENTIFICAÇÃO. Apesar de a Inquisição ter dado baixa da actividade há muito tempo, o certo é que as bruxas continuam a viver numa quase clandestinidade. Para as reconhecer, caso alguma delas entre na casa de alguém – e a dona ou o dono da casa quiserem ter a certeza de que a visita pertence à estirpe - deverá esconder uma vassoura atrás da porta, virada ao contrário. A bruxa não conseguirá sair.
O mesmo efeito parece obter a pataqueira versão de um banco virado de pernas para o ar.
Com a mesma eficácia, uma navalha espetada na sombra da bruxa, fará com que esta fique tão imóvel como a estátua do Marquês de Pombal na sua rotunda.
Em tempos idos, para se determinar se uma mulher era ou não bruxa, atava-se de pés e mãos e deitava-se num lago de águas fundas: se mergulhasse, era bruxa; se flutuasse, não era. É claro que nem me vou dar ao despropósito de insultar a inteligência dos leitores ao dizer para que lado pendia a percentagem do sim e do não.
Quando virem uma amazona montada ao contrário… pimba! É bruxa. E se encontrarem numa encruzilhada uma porca com leitões de cor escura, aí vai uma bruxa disfarçada. Convém, neste caso, não a confundir com a “porca” da política, reconhecida já pelo finado Rafael Bordalo Pinheiro e disfarçada com outros adereços mais subtis, designadamente os leitões que a seguem, sempre ávidos da teta e malas Louis Vitton.
Na heráldica, nada se encontra sobre bruxas. Nada mesmo. Se houvesse, talvez estivesse assim esculpido em brasão: escudo lavrado em campo de preto e esquartelado de caveiras com a dentição completa, sapos ou outros motivos atinentes, tudo em campo polvilhado com pós de perlimpimpim. Em chefe, uma vassoura ou uma varinha mágica (sem ser das de passar o cozinhado), consoante a casta.
De qualquer forma, sem menção do registo da actividade, não consta que a profissão das ditas possa vir a constar no Código das Actividades Económicas ou na lista das profissões liberais anexa ao código do IRS. Logo, sem cartão profissional, sem descontos para a Caixa de Previdência, sem impostos retidos na fonte e outras alcavalas que levariam mais de cinquenta por cento dos seus rendimentos mensais. Poderão descontar por outros “hobbies” que tenham em concomitância, como será alguma colocação em organismo público ou privado.
Como é de direito, será certo que terão bilhete de identidade ou cartão de cidadão, cartão de crédito, cartão do “Continente” e número de contribuinte. Mas isso toda a gente tem!
IMPOSTOS. Se já não escrevi isto atrás, é porque vai ser escrito adiante ou, para não reler o escrito, deve ter sido referido antes e depois desta entrada que fala dos impostos e a sua relação com as bruxas.
Escusado será dizer que na Idade Médio, a alta e a baixa, bem como nos períodos que se seguiram, mormente com a Inquisição, as bruxas pagavam os impostos após a morte: todos os seus bens eram confiscados. E os herdeiros, mesmo assim, ainda pagariam a “lutuosa” ao senhorio ou ao rei, imposto que se calculava segundo os bens do defunto.
No entanto, tenho de dizer que as bruxas não tinham impostos especiais pela actividade, que era naturalmente considerada prática criminosa e contrária aos ensinamentos religiosos. O único imposto que indirectamente estariam sujeitas era a “baluga”, curioso tributo fixado generalizadamente em três arráteis e meio de cera ou quatro soldos, pela alcavala com o nome de “ossas”, se enviuvassem e pretendessem casar de novo. Emendo: havia um outro que certamente lhes cobrariam, que era a “talha”, pois deste imposto ninguém se livrava… E era cada talhada! Tratava-se de uma contribuição extraordinária – como há hoje tantas para acorrer aos mesmos efeitos – cobrada aos que tinham, aos que não tinham e aos que fingiam não ter, para suprir falhas do erário régio quando qualquer acontecimento originava falha de dinheiro superior às necessidades. Livravam-se da teia as que escondiam o “pilim” na enxerga de palha ou as que se prevenissem com uma “offshore” recambiada por qualquer coisa semelhante aos Mossack & Fonseca do Panamá.
As bruxas de hoje, livres da infeliz cobrança “post mortem”, não se livram do leque de tributos do espectro fiscal. Basta lembrar que um simples instrumento de trabalho, como a bolinha de cristal, vem facturada com vinte e três por cento de IVA. E, mesmo que a sua actividade fosse enquadrada no regime ilícito, lá está o código do IRS que, logo no articulado a abrir engloba todos os rendimentos, “mesmo quando provenientes de actos ilícitos”.
INQUISIÇÃO. Como sabem, esta dita tinha tribunais a funcionar tal qual o novo mapa judiciário português, com a ressalva de que, comparados com os actuais meios de justiça seculares, eram muito mais laboriosos, não tinham férias judiciais e os processos decorriam com mais celeridade até ao trânsito em julgado.
Esta “piedosa” instituição justiceira não se coibia de purificar as julgadas bruxas e feiticeiras numa purificadora fogueira. Costumavam castigar pelo fogo quando actualmente se deixa em liberdade quem o ateia.
Como sinais exteriores da profissão, a posse de um gato preto era evidência da fatal sina. Por essa razão, os bicharocos eram também ferozmente perseguidos, tanto mais que muita gentinha via neles uma bruxa metamorfoseada. A coisa deve ter chegado aos nossos dias e, para não deixar morrer a tradição, ainda se leva à cena em Vila Flor a queima do “gato vivo”.
Fácil será calcular que muita gente (e muito felino) morreu injustiçada, vítima de perjúrios, falsos testemunhos e quebra do segredo de justiça.
Sem a Inquisição, o povo passou a julgar à sua maneira, como é costume saber-se através dos entrevistados populares pela televisão sobre casos ainda não julgados. Mas não é só de agora!...
Em Oliveira de Soalhães (Marco de Canaveses), corria o ano da Constituição de 1933, quando os habitantes queimaram uma pobre chamada Arminda de Jesus, só porque acreditavam que ela “tinha o diabo no corpo”. Ainda bem que a tradição, neste caso, não pegou, pois com “o diabo no corpo” há para aí muita gentinha…
Se a Inquisição reaparecesse – batam três vezes no madeiro – com a proliferação das novas bruxas, feiticeiras, benzedeiras e adivinhadeiras, decerto decretaria o estado de sítio e colocaria os tanques na rua.

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